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jun 23 2015

SÃO JOÃO DA MINHA INFÂNCIA ERA DE ASSUSTAR

RENATO RIELLA

Na minha infância, a gente era muito feliz no São João. Mas, reconheço, Salvador virava uma praça de guerra, com bombas de todos os quilates, fogueiras, balões – e muita comida para compensar. A fumaça dominava as ruas.

Viviam na minha rua diversos estrangeiros, que vieram para o Brasil depois da Segunda Guerra Mundial. Havia o espanhol pai do Miro e um francês, pai do Jean.

E havia Hermano Weyhroter, holandês, pai de Eduardo e Magda. Era um vizinho grandalhão, com forte sotaque, gente boa para caramba, mas vítima da gang infantil no São João. Esta lembrança me dá remorso tardio.

A casa da família Weyhroter tinha uma pequena varanda fechada, na qual a gente soltava bombinhas de São João que faziam eco lá dentro.

Provavelmente traumatizado pelas memórias horríveis da guerra, o quase abrasileirado Hermano fazia apelos a meu pai: “Seu Agenor, mande os meninos pararem de jogar bombas na minha casa”. A nossa ganguinha virava de repente um Gestapinho.

Lembrei desse episódio e me veio à tona outro semelhante. Estava eu, bem criança, com minha mãe Cecília numa loja de Salvador, quando uma cliente insatisfeita com o atendimento falou assim:

-Este país não tem jeito. Só mesmo uma guerra para consertar esta bagunça!

Isso aconteceu na década de 50. Imaginem! De repente, apareceu do nada uma francesa, de cabelo curtinho, cerca de 50 anos, que ouviu a conversa e bradou com seu forte sotaque de erres:

-Moça, não diga uma coisa dessa, por amorrr de Deus. Você não sabe o que é o inferrrno de uma guerra. Aqui vocês vivem no Paraíso e não dão valorrrr. Não, isso não, de jeito nenhum!

Nasci repórter. Embora muito pequeno, fotografei este momento. Assim, hoje entendo o protesto da francesa e lembro como a gente assustava o corretíssimo Seu Hermano, grande amigo do meu pai, sobrevivente de não sei quais batalhas na Europa.

Dito tudo isso, viva o São João, hoje mais civilizado, com menos bombas e nenhum balão no ar, mas com as mesmas comidas de sempre. E salve a baianidade, recheada de estrangeiros amigos! Saudades!

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