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mar 30 2019

VOCÊ TEM ALGUMA HISTÓRIA PESSOAL DA DITADURA, BEM DRAMÁTICA? EU TENHO UMA! INACREDITÁVEL!

Em 1970, minha mãe Cecília foi ao Rio de Janeiro.
Acompanhou uma mulher rica de Salvador, D. Fada Ganem. Andaram em lojas, ótimos restaurantes, praias, etc. Até que pararam numa vidente da classe alta.

D. Fada, sabendo da fé católica da minha mãe, deixou ela num sofá, fora da sala.

De repente, a mulher que via o futuro chamou de longe D. Cecília Riella, que se aproximou meio medrosa, pois não gostava dessas coisas.

De olhos fechados, concentrada, a vidente fez três movimentos de cima para baixo, com dois dedos de cada mão. E falou:

-Estou vendo grades. Grades. Grades de prisão!!!!

Saiu do transe e explicou:
-Vejo que o seu filho famoso está para ser preso a qualquer momento pelo Exército, na Bahia. Vem se correspondendo com um preso político aqui do Rio e os astros preveem tempos nebulosos.

Susto total!
Cecília ainda argumentou: “Mas ele nem tem 20 anos. Só trabalha e estuda. Não faz nada errado”.

Cheguei em casa perto da meia-noite, vindo do jornal onde trabalhava. Minha mãe, que havia voltado do Rio, me esperava na copa.

Comecei a jantar bolo de chocolate com Coca-Cola (suicídio) e ela foi contando o episódio.

Confirmei o fato. Escrevi mesmo duas cartas para meu amigo José Wilson, que está preso num quartel do Exército, no Rio.

Cecília sempre foi uma mulher de absoluta fé, com muita frieza. Ela apenas determinou:

-Não mande mais nenhuma carta para este rapaz – e foi dormir.

Hoje imagino que rezou algumas dezenas de vezes a oração de Santo Antônio, pedindo proteção para mim.

Ela tinha mania de fazer promessa, que sempre resultava em verdadeiros milagres. Promessa como “não comer sobremesa durante seis meses”, entre outros sacrifícios. Como dava certo!

QUEM FOI JOSÉ WILSON

É preciso explicar que José Wilson trabalhou cerca de dois anos comigo no jornal Diário de Notícias de Salvador. A gente era quase dois meninos.

Quando começamos a trabalhar, éramos os dois únicos jovens da redação. O resto era uma velharia viciada, cheia de empregos públicos.

Ficamos muito amigos, escrevendo as matérias de cunho social, em linguagem esquerdista, num jornal governista.
Ele assinava apenas José Wilson (sem sobrenome).

Almoçávamos juntos muitas vezes. O misterioso amigo carioca me disse que havia sido estagiário no programa de Chico Anísio. Brilhante! Mas não explicava como parou na Bahia.

Um dia, abriu o jogo. Era foragido político e vivia escondido em Salvador. A família negociou para se que apresentasse ao Exército. Iria voltar ao Rio para ser preso. Fiquei muito triste.

Perguntei se foi terrorista e se participou de operação armada.
Deu uma não-risada e falou baixinho: “Nem sei atirar!!!”

Foi usado pelos comunistas para produzir e distribuir panfletos.

Da prisão. Zé Wilson me mandou uma carta ligth. Estava jogado numa cela razoável com dois jovens. Não faziam nada o dia inteiro. Soube depois que não foi torturado por não ter o que contar.

Respondi a carta socialmente, disse que rezava por ele e contei casos do jornal.

Na segunda carta, informou que, há dias, estava com um filete de sangramento num dente, que não parava. Explicou que era hemofílico, aquela doença que não tinha cura, geradora de hemorragias contínuas.

Escrevi de volta uma carta repleta de indignação. Disse que recorresse à OAB, ao Arcebispo, a algum general amigo, a jornalista famoso, a quem quer que fosse, para conseguir tratamento.

Depois soube que esta carta nunca foi entregue ao preso.

NUNCA MAIS CARTAS

Depois da conversa com minha mãe, liguei para o irmão de Zé Wilson. Avisei que fui alertado sobre a investigação do Exército e não poderia mais mandar cartas. Não falei da vidente. Ele não acreditaria.

Na verdade, andei mesmo visado pela ditadura. Duas vezes fui chamado à Polícia Federal para explicar matérias fortes que assinei no jornal. E quase fiquei por lá.

Só faltava mesmo ter como amigo um preso político. Risco total.

Trabalhando muito, durante algum tempo esqueci o assunto. Até que recebi uma ligação do irmão de Zé Wilson.

Disse que ficou sem poder ligar pra mim porque estava chorando muito. E explodiu: “Zé Wilson morreu!!!!!”

Dureza. O rapaz tinha cerca de 20 anos e não cometeu crime nenhum. Eu e o irmão dele choramos longamente ao telefone.

Soube que o sangramento do dente persistiu, mas os militares diziam ser bobagem. Meu amigo ficou anêmico e pegou uma infecção. Levado para hospital, não resistiu.

Já procurei o nome dele em listas de vítimas da ditadura, mas não aparece. Deve ter sido classificado como morte natural.

Quanto a mim, claro, as promessas a Santo Antônio devem ter feito efeito. Os milicos esqueceram de me buscar.

E para vocês que me chamam de direitista, respondo:
-Direitista é aquela calcinha preta da sua mãe, que tem um furinho erótico perto da virilha! (RENATO RIELLA)

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