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dez 07 2018

ARTIGO: Militares e o poder

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF, jornalista.

O governo Bolsonaro que está emergindo diante dos brasileiros configura interessante ruptura na história do país.

Um grupo de técnicos, muito qualificados, vai comandar a área econômica.

O ex-juiz Sérgio Moro está criando um setor poderoso ao redor do Ministério da Justiça. Será o xerife.

E há o grupo de militares de alta patente com currículos impressionantes e larga experiência dentro e fora do Brasil.

Os militares sabem o que pretendem no governo. Desde cedo eles frequentam o poder. Aliás, de vez em quando eles são o poder.

A notícia de que as tropas de Solano Lopes tinham invadido Mato Grosso, em 1864, levou mais de um mês para chegar a Pedro II. O Brasil estava inteiramente desprotegido. Os voluntários da Pátria só iniciaram a invasão do Paraguai em 1866.

O Imperador, embora nascido no Brasil, tinha formação europeia. Exércitos se formam para combater uma guerra específica. Terminado o conflito, a tropa é dispensada.

Essa foi uma das fontes do desgaste. Outra era o fato de que D. Pedro II não tinha filhos. Só filhas. A princesa Isabel era casada com um francês, Conde D´Eu. Havia reação à possibilidade de o terceiro reinado ser chefiado por um estrangeiro.

O marechal Deodoro da Fonseca, que era monarquista, estava meio gripado no dia 15 de novembro de 1889 quando no Campo de Santana, no Rio de Janeiro, gritou a plenos pulmões: Viva a República. Assim acabou o Império. O Exército brasileiro assumiu funções políticas na novíssima República.

A partir daí o país entrou em período de governos civis, bastante tumultuados durante a República Velha. Até que os militares se rebelaram no Forte de Copacabana, em cinco de julho de 1922.

Depois, em 1924, iniciaram a marcha da Coluna Prestes, que atravessou o país, passou pelo planalto central, entrou pelo agreste nordestino, chegou às cidades de Natal e Recife.

Os tenentes descobriram o Brasil, entraram em contato com o país profundo, perceberam a reação dos nativos e se depararam com o poder dos coronéis do sertão. Foram perseguidos, buscaram exílio no Paraguai e na Bolívia.

Em 1930, os mesmos tenentes, alguns deles já envolvidos pelas ideias socialistas, temperadas pelo positivismo de Augusto Comte, se associaram a Getúlio Vargas e chegaram ao poder.

Mas também foram agentes de sua derrubada. Retornaram vitoriosos da campanha na Itália, na Segunda Guerra Mundial. Não aceitaram ter em casa algo semelhante ao que combateram na Europa.

A Academia Militar das Agulhas Negras começou a funcionar em 1944. Ali se formam os cadetes.

O Exército é a instituição que conhece melhor conhece o Brasil. Em todos os sentidos: geográfico, histórico e político. Está presente nos quatro cantos do território.

A Igreja Católica, que também está em todo o país, é internacional na composição do clero, na liturgia, na ideologia e nos propósitos.

A grande crise militar ocorreu em 1935, com a Intentona Comunista, que provocou violentos combates dentro dos quartéis no Rio de Janeiro, Natal e Recife. Até hoje os oficiais não esquecem a sublevação cometida por companheiros de farda.

Os militares brasileiros são nacionalistas, mas nesta geração passaram a ter intimidade com a realidade internacional. Vários deles chefiaram missões no exterior de guerra ou de paz.

Frequentaram cursos nas melhores universidades da Europa ou dos Estados Unidos. Eles aprenderam que para modernizar as forças armadas brasileiras seria necessário modernizar o Brasil.

Conhecem a realidade nacional. Sabem das aflições do povo no interior do Nordeste.

Cobrem a Amazônia de ponta a ponta, desde a região de fronteira, cheia de problemas de contrabando e tráfico de drogas, da presença dos índios e das organizações não governamentais que operam na região.

E também estão presentes nos grandes centros urbanos brasileiros. A intervenção federal no Rio de Janeiro é o melhor exemplo.

Frank D. McCann, no seu monumental Soldados da Pátria, história do Exército brasileiro 1889- 1937 (Companhia das Letras) explica o fenômeno.

Os tenentes tentaram modernizar o Brasil através de alianças com políticos. Não foram bem sucedidos. Agora chegam ao poder por intermédio de eleição geral.

O governo Bolsonaro foi eleito. Vários oficiais de alta patente estão em posição de mando. Além deles, Paulo Rabelo e seus liberais e Sergio Moro com seu séquito de policiais federais e promotores do ministério público.

Ao que parece os sucessores dos tenentes chegaram ao poder. Com o antigo propósito: modernizar o país. Desta vez baseado em procedimentos democráticos.

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