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mar 05 2018

ARTIGO: Os novos canhões do czar

CARLOS FINO

Mísseis balísticos intercontinentais de nova geração, movidos a energia nuclear, de alcance ilimitado e capazes de contornar todos os sistemas de defesa atualmente existentes; mini-submarinos atómicos de controlo remoto equipados com ogivas nucleares múltiplas; canhões e lançadores de ultraprecisão guiados a laser…

Esta, em resumo, a panóplia de novas armas estratégicas apresentadas pelo presidente russo Vladimir Pútin, em Moscou.

Ilustrada com vídeos projetados em tela gigante, misturando imagens reais com montagens de computador tipo “guerra das estrelas”, a apresentação de Pútin assumiu tons de “grand finale”, no termo de um discurso em geral morno e pouco estimulante sobre o estado da Federação.

O líder russo justificou o rearmamento do Kremlin como consequência, a prazo, da retirada dos EUA, em 2002, do tratado sobre mísseis anti-balísticos ABM – acordo-chave sobre controlo de armamentos assinado em 1972.

Logo depois, a Rússia retirou-se do START II, de 1993, ficando aberto o caminho para o desenvolvimento de novos sistemas de armamentos.

O acordo dos anos 70, espécie de Tordesilhas nuclear, garantia a segurança com base no princípio da destruição mútua assegurada – MAD, na sigla em inglês. Caída essa barreira, a evolução era previsível – cada um dos lados passou a tentar obter armas capazes de vencer os sistemas de defesa do outro, a fim de poder impor a sua vontade por coacção.

O que Pútin veio agora dizer – em clara resposta aos novos planos do Pentágono – é que os esforços americanos nesse sentido não deram resultado e que a Rússia está em condições de os contrariar.

Quanto há nisso de verdade e quanto de blefe é difícil de precisar. Embora com a sua reeleição deste mês garantida – afastados ou mortos que foram eventuais rivais de peso – Pútin não deixou de aproveitar o momento para se reapresentar como o único líder capaz de enfrentar os perigos com que o país se defronta.

Uma nota que encontra sempre eco nos corações dos russos, habituados por formação a uma narrativa que faz da Rússia um país reiteradamente cercado e objeto de possível agressão externa pelo menos desde o século XVIII para cá – primeiro por parte da Suécia de Carlos XII, depois da França de Napoleão e por fim da Alemanha de Hitler…

No século XVI, o czar Teodoro I, filho de Ivan, o Terrível, mandou fabricar um canhão gigante para defender o Kremlin, onde ainda está hoje como atração turística – pesa 400 toneladas e podia teoricamente disparar balas de 800 kgs! Excetuando um primeiro ensaio, nunca chegou a funcionar em combate, mas a sua simples exposição teria tido efeitos dissuasivos pertinentes.

Pútin parece querer retomar essa tradição com idêntico objetivo. Só que agora o perigo é bem maior: pode estar em causa a sobrevivência do próprio planeta.

Resta por isso esperar que a apresentação dos novos canhões do czar possa servir como alerta universal para a necessidade de se retomar o diálogo sobre controlo e redução das armas nucleares. Antes que seja demasiado tarde.

 

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